“Os diletantes são-no geralmente de ideias ou de emoções — porque para compreender todas as ideias ou sentir todas as emoções basta exercer o pensamento ou exercer o sentimento, e todos nós, mortais, podemos, sem que nenhum obstáculo nos coarcte, mover-nos liberrimamente nos ilimitados campos do raciocínio ou da sensibilidade.” ― Eça de Queirós
É um tipo bastante comum, e você deve já ter cruzado com alguém assim: uma pessoa de inteligência e erudição acima da média, mas cujo foco e esforços se dispersam em mil atividades e interesses, sem demonstrar verdadeiro interesse por nenhum deles. Estuda física quântica e zen budismo, ao mesmo tempo em que se debruça sobre degustação de vinhos, e de quebra edita código para fazer um aplicativo. Não se trata do polímata — o gênio multidisciplinar que dá ricas contribuições a várias áreas do saber. É, isto sim, o diletante.
É o caso de uma vocação frustrada — uma promessa intelectual brilhante que fica na promessa, por causa da falta de seriedade e (sem querer soar piegas) de amor — sim, amor — ao conhecimento. Malgrados seus esforços e seu genuíno brilhantismo, os frutos intelectuais do diletante terminam sendo rasos. Nunca ultrapassa a média, nunca alcança a originalidade, numa sucessão de projetos intelectuais medíocres, quando não deixados inacabados. E sua trajetória termina em frustração.
Eça de Queirós foi quiçá o primeiro grande autor a se debruçar, no século XIX, sobre o fenômeno do diletantismo, no qual via uma verdadeira moléstia do seu tempo. Eça criou uma galeria de diletantes, como por exemplo o pseudofilósofo Fradique Mendes, ou, em Os Maias, Carlos da Maia e João da Ega, personagens sem rumo, sem propósito firme ou projeto sólido, que não o de impressionar a alta sociedade, seduzidos pelo brilho fácil do saber pela rama de uma multiplicidade de assuntos.
O diletante, na obra queirosiana, é fruto do “desencanto português”, quando Portugal viu-se, enquanto país, na política e na cultura, reduzido à condição de coadjuvante na vida europeia no século XIX. Mas o diagnóstico do genial autor português é presciente, transcendendo em muito as circunstâncias particulares do seu tempo. O diletantismo aprofundou-se no século XX, e, a partir do século XXI ganhou proporções epidêmicas com a facilidade de acesso ao conhecimento promovido pela internet. Eça foi visionário quanto ao tema. Suas lições são ainda mais valiosas — e urgentes — hoje em dia do que em seu tempo.