12 filmes que são adaptações brilhantes de obras literárias

Por Ana Júlia Galvan1

Quando um livro é adaptado para o cinema, é comum ouvirmos comentários de teor comparativo e até nos pegarmos cotejando a história contada no filme e no livro. Nada mais natural — afinal, muitas vezes, ao lermos o livro, criamos um universo em nossa mente e o experimentamos vivamente, emprestando às páginas as tintas de nossa própria imaginação e, assim, as expectativas que temos quanto à maneira de contar a história ou à importância de certos detalhes nem sempre são atendidas pelo filme. Não raro, as adaptações tomam liberdades que julgamos desnecessárias e até inconvenientes e, a nossos olhos, tornam-se pálidas imitações da obra original. 

Entretanto, nem sempre é esse o caso. Há inúmeros exemplos de adaptações para o cinema que não só respeitam a obra original como, de algum modo, também a engrandecem — e o fazem justamente por se situarem não como uma obra derivada da primeira, mas sim como uma obra à parte. 

Creio que o cerne da questão seja o seguinte: literatura e cinema são artes distintas. Esta pode parecer uma afirmação evidente e até tola; no entanto — e talvez o leitor o reconheça na própria experiência —, tal distinção nem sempre nos é tão evidente assim.

O cinema é a arte de mostrar sem necessariamente ter de falar — aliás, via de regra, as obras-primas do cinema o são porque, no casamento de imagem e som, condensam inúmeras camadas de significado. Coisas que, na escrita, podem levar parágrafos e até páginas inteiras para serem ditas, no cinema podem ser reveladas numa só imagem, sem palavra alguma a explicá-la ou a reforçá-la. Obviamente, isto pode ser uma vantagem ou uma desvantagem, a depender do quanto se queira revelar e de como tal revelação é conduzida. 

Falei de longas descrições, mas faço um adendo importante: descrições pormenorizadas nos fazem vislumbrar a história na nossa cabeça em vez de tê-la pronta na tela — como dizia eu mais acima, fazem com que emprestemos as tintas de nossa imaginação à narrativa, o que, sem dúvida, estimula a mente, a memória e o raciocínio, precisamente porque exige mais esforço ativo. Além disso, tais descrições também nos permitem o contato com o que há de melhor no desembaraço, na engenhosidade e na criatividade humana quanto ao exercício das letras e o uso da escrita. Lendo um clássico, testemunhamos o que constitui uma boa história em forma e em conteúdo, bem como vislumbramos como o autor pensa, como fixa abstrações em palavras, como enxerga o mundo e como o expressa; e, com isso, ampliamos a nossa gama de experiências humanas possíveis, enriquecemos o nosso vocabulário e refinamos nosso pensamento — frutos que somente a literatura é capaz de proporcionar do jeito que nos proporciona.

O bom cinema, por sua vez, é capaz de delinear em uma única cena a personalidade, a profissão, os papéis sociais e até a satisfação ou a frustração que um personagem nutre pela sua situação. Se bem compostos, o ambiente (cenário) e o vestuário (figurino) de um personagem dizem muito sobre quem ele é, emprestando-lhe uma circunstância razoavelmente concreta, uma aparência muito convincente de vida e uma personalidade verossímil. Isso porque o cinema mostra, não diz. Na vida real, captamos significados explícitos e implícitos atentando aos menores detalhes de vestuário, de apresentação, de ordem ou desordem, de tom de voz e de linguagem corporal e, por meio dessas e de outras deixas, calibramos as nossas impressões; sabemos, por exemplo, que nem sempre o que alguém fala, por mais convincente que sejam as suas palavras, é congruente com a postura ou a intenção do sujeito. Os filmes, valendo-se de sua tecnologia de som e de imagem em movimento, lançam mão de muitos desses aspectos e não raro os potencializam por meio da fotografia, da montagem, da edição e das trilhas sonoras, com acréscimo de elementos que não estão presentes na vida real. Quem nunca se pegou andando pela rua a ouvir música e pensando: isso daria uma bela cena de filme?

Com tudo isso, não quero dizer que uma arte é melhor do que a outra; meu intuito é antes reforçar a noção que afirmei mais acima: literatura e cinema são artes distintas e, como tal, devem ser tomadas de maneiras diferentes. Nas adaptações, ainda que haja o ponto de interseção que é dado pela mesma história, a obra cinematográfica de adaptação será, necessariamente, distinta da obra literária adaptada — e é bom (e, com sorte, mutuamente enriquecedor) que assim o seja. O bom filme é uma obra em si, conquistando o próprio espaço mesmo que seja uma adaptação literária, da mesma forma que o bom livro não pede por um filme nem nada extra que o complemente.

*

Valendo-me da minha paixão e da minha relação próxima com ambas as artes, decidi trazer uma pequena lista de adaptações de obras literárias para o cinema que valem a pena ser assistidas. São obras que se sustentam por si, de modo que não é necessário ter a preocupação de ler o livro antes — porém, a experiência poderá ser ainda mais enriquecedora se o leitor deste pequeno ensaio decidir ser também leitor das obras literárias que ensejaram tais adaptações.

O Poderoso Chefão (Francis Ford Coppola, 1972)
  1. O Poderoso Chefão (Francis Ford Coppola, 1972)

Baseado na obra homônima de Mario Puzo, o célebre O Poderoso Chefão é um dos clássicos do cinema e talvez o caso mais conhecido de adaptação. Vito Corleone é chefe de família…e de famiglia. Após um atentado contra a sua vida, de retaliação em retaliação inicia-se uma verdadeira guerra entre as Cinco Famílias — máfias que misturam relações de sangue e negócios escusos. Na tentativa de pôr um fim aos conflitos abertos, Don Corleone passa o comando dos negócios ao filho Michael, inicialmente relutante, e testemunhamos a transformação deste no novo líder.

Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980)
  1. Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980)

Baseado em Raging Bull: My Story, livro de memórias do campeão de boxe Jake LaMotta, conta a história de um boxeador (Robert De Niro) brilhante nos ringues, mas com uma vida atormentada. O seu sucesso e a sua ruína se dão pelos mesmos motivos: o seu temperamento explosivo, a ira e o descontrole em várias searas. Com o passar do tempo, porém, a vida vai lhe mostrando possibilidades de redenção.

  1. Doutor Jivago (David Lean, 1965)
Doutor Jivago (David Lean, 1965)

Yuri Jivago, médico e poeta, tem a vida completamente transformada pela Revolução Russa e pela guerra civil subsequente. Em meio às profundas transformações da época, apaixona-se por Lara Antipova, enfermeira num hospital de campanha em que trabalha durante a Primeira Guerra Mundial. Adaptado da obra do autor russo Boris Pasternak, o filme acompanha as vidas desses dois personagens — e o romance que atravessa as décadas, mesmo sob as turbulências e os perigos da época.

  1. Madame Bovary (Claude Chabrol, 1991)
Madame Bovary (Claude Chabrol, 1991)

Adaptado do clássico homônimo de Gustave Flaubert, Madame Bovary conta a história de Emma e das maneiras que ela encontra de aplacar o tédio profundo que sente vivendo em uma pequena cidade francesa com o seu marido, o médico Charles Bovary. Ambiciosa e hedonista, Emma acaba se colocando numa série de situações cada vez mais complexas e moralmente questionáveis. Nesta adaptação dirigida por Chabrol, Isabelle Huppert encarna perfeitamente o tédio sentido por Emma (e, mais tarde, o seu desespero!).

  1. O Deserto dos Tártaros (Valerio Zurlini, 1976)
O Deserto dos Tártaros (Valerio Zurlini, 1976)

O oficial Giovanni Drogo é enviado a uma fortaleza remota, diante de um deserto e em área fronteiriça ao território dos tártaros. Os homens que lá servem passam os dias preparando-se para uma possível invasão — ameaça sustentada por rumores constantes trazidos por mensageiros a cavalo, vindos de longe, de territórios em que talvez haja, de fato, conflito em curso. Adaptado da obra de Dino Buzzati, o filme é uma belíssima meditação sobre expectativas e a implacável passagem do tempo.

O Beijo no Asfalto (Bruno Barreto, 1981)
  1. O Beijo no Asfalto (Bruno Barreto, 1981)

Num ato de compaixão para com um moribundo desconhecido, Arandir dá-lhe um beijo. O ato, no entanto, será utilizado contra ele por sujeitos da mídia e da polícia, que precisam de uma fagulha qualquer para “sacudir a cidade”. Acompanhando o desenrolar da situação, vemos o quanto forças externas são capazes de incutir a dúvida até mesmo nas pessoas mais próximas. A adaptação de Barreto da peça de Nelson Rodrigues conta com um elenco excelente e, sendo extremamente fiel ao texto original, empresta a seus personagens contornos que os aprofundam. (O leitor interessado em Nelson Rodrigues também poderá ler esta publicação que fizemos  aqui no blog do CLC sobre as peças do autor.)

Os Miseráveis (Bille August, 1998)
  1. Os Miseráveis (Bille August, 1998)

A obra de Victor Hugo inspirou muitas adaptações ao longo das décadas, dentre as quais esta se destaca. Preso por roubar pão para dar de comer a sua família, Jean Valjean sofre tratamento horrendo nas mãos de Javert, um policial inclemente que parece usar de todas as oportunidades para importuná-lo e torturá-lo. Fugindo da prisão, chega à casa de um padre que o recebe e impede que a polícia o capture novamente. Tal gesto de compaixão faz com que Jean Valjean queira recuperar a dignidade perdida — e mesmo redimido perante a sociedade, ainda é perseguido pelo antigo carrasco.  

Tubarão (Steven Spielberg, 1975)
  1. Tubarão (Steven Spielberg, 1975)

Adaptado do romance homônimo do autor Peter Benchley e outro clássico do cinema, Tubarão conta a história de uma pequena cidade turística no litoral que sofre com os ataques de um tubarão-branco que parece ter vindo para ficar. O chefe de polícia da cidade, um biólogo marinho e um caçador reúnem-se e partem num pequeno barco na esperança de dar um jeito na situação. 

White Dog (Samuel Fuller, 1982)
  1. White Dog (Samuel Fuller, 1982)

Adaptado do romance autobiográfico de Romain Gary, o filme conta a história de um pastor alemão branco que é atropelado por uma jovem atriz. A moça leva-o ao veterinário e procura pelo seu dono, sem êxito. Vendo-se sem saída, decide adotar o cão. Percebendo o seu comportamento extremamente agressivo, ela o leva a um centro de treinamento de animais — e lá descobrirá que o seu agora amado cão fora treinado para atacar pessoas negras. O filme aborda de maneira muito elegante a questão do racismo e do ódio — e questiona se comportamentos aprendidos com esses fins podem ser desaprendidos.  

…E O Vento Levou (Victor Fleming, 1939)
  1. …E O Vento Levou (Victor Fleming, 1939)

Adaptado do romance de Margaret Mitchell, …E O Vento Levou conta a história de Scarlett O’Hara, filha mimada de um latifundiário rico que tem de lançar mão de inúmeras estratégias de sobrevivência após a sua família perder tudo durante as batalhas da Guerra Civil Americana, bem como dos romances e separações por que Scarlett passa. Um clássico do cinema.

Os Pássaros (Alfred Hitchcock, 1963)
  1. Os Pássaros (Alfred Hitchcock, 1963)

Outro clássico do cinema, dirigido por um diretor célebre e muito prolífico, Os Pássaros é baseado num conto de terror de mesmo título da escritora britânica Daphne du Maurier. Melanie Daniels viaja para uma cidadezinha do litoral para encontrar-se com Mitch Brenner, homem que conheceu pouco antes numa pet shop. Tão logo chega lá, eventos estranhos ocorrem: pássaros em revoadas põem-se a atacar as pessoas de maneira repentina, violenta e misteriosa, o que é motivo de pânico entre os moradores.

O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (Fred Zinnemann, 1966)
  1. O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (Fred Zinnemann, 1966)

O Homem Que Não Vendeu Sua Alma é o título da peça de Robert Bolt, da qual este filme é uma adaptação. O enredo é baseado na vida de Sir Thomas More, Lorde Chanceler inglês sob o rei Henrique VIII — aquele que, querendo divorciar-se da esposa para casar-se com outra mulher, declara-se chefe da Igreja da Inglaterra e exige que Sir Thomas o reconheça como tal; porém, reconhecê-lo vai contra a consciência do Lorde Chanceler, que não cede à pressão nem mesmo diante da ameaça derradeira.

*

Com esta breve lista, espero ter inspirado no leitor o desejo de conhecer os filmes e os livros citados. Literatura e cinema não são excludentes de modo algum — e só terá a ganhar aquele que, já sendo leitor de clássicos, busque também se inteirar das obras-primas do cinema!

Gostou dessa reflexão?
Assista nosso vídeo especial sobre a disputa entre cinema e literatura.

  1. Ana Júlia Galvan é escritora, tradutora literária (do inglês e do francês) e estudante das artes. É formada em Cinema e Realização Audiovisual pela Universidade do Sul de Santa Catarina e mestre em Estudos da Tradução pela University of Ottawa. Escreve sobre arte, cultura e coisas da vida no Periódico da Ana (newsletter) e tem “conversas interessantes com pessoas interessadas” sobre obras de arte no Entremeios (canal no YouTube). Natural de Santa Catarina, mora no Canadá desde 2017. ↩︎
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