Se há uma tarefa difícil é esta: definir nosso maior escritor. Porque o que acontece é geralmente o contrário: o grande escritor é quem nos define.
Moisés moldou gerações inteiras com cinco livros. Homero educou a Grécia com dois. Virgílio, com três, deu forma à Europa medieval, e Shakespeare, como demonstra Harold Bloom em “Shakespeare: a invenção do humano”, inventou a noção moderna de personalidade humana.
Nos resta, então, não definir, mas buscar influências e listar adjetivos.
Talvez as maiores influências na formação da alma machadiana sejam a veia satírica de Luciano de Samósata, autor do século II d.C., e o pessimismo filosófico do alemão Arthur Schopenhauer. Mas há também em Machado a gravidade e o rigor do estilo bíblico, além do espírito ácido e iconoclasta de Lima Barreto, seu grande sucessor nas letras brasileiras.
Machado foi clássico, romântico, realista, parnasiano, protomodernista. Para ser tudo isso, assimilou muito mais. E chegou à síntese — e explosão criativa — a partir de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, publicado em 1880.
Tal síntese foi crucial ao projeto literário machadiano: sua virulência e derrisão ficam mascaradas por uma ironia astuta, por uma agressividade oblíqua, pelo niilismo intimidante e desconcertante, numa atmosfera misteriosa e original.
Ou seja: ele é tão amável quanto a cara da enfermeira te picando com uma agulha grossa.
Mas quando a gente ri com Machado, nos damos conta de que é ele quem está rindo, de si e de nós: nós e ele trocando olhares na frente do espelho.
Ler Machado também tem efeito terapêutico. Cura frescuras. Ensina a prudência das serpentes. Abre a tampa do caixão e expõe à luz aquele monte de mentirinhas que se multiplicam na alma como os vermes nas carnes frias.
Machado sabia que a virtude não é ser sério, ou ser zoeiro, mas ser sério E zoeiro. Que não é ser apolíneo ou dionisíaco, mas beber de dia.
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