8. “O ensino superior fascina todos na Bruzundanga. Os seus títulos, como sabeis, dão tantos privilégios, tantas regalias, que pobres e ricos correm para ele. Mas só são três espécies que suscitam esse entusiasmo: o de médico, o de advogado e o de engenheiro.”
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Lendo uma passagem como essa, tem-se a sensação de que, ao longo dos últimos cem anos, o Brasil simplesmente não saiu do lugar.
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O culto pelo ensino superior continua vivíssimo e explorado politicamente, devido justamente às regalias a ele associadas.
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Quantos aos cursos de prestígio, estes permanecem os mesmos, e poucos são os alunos que a eles se dedicam por paixão e não por “status”.
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Porque o ensino superior é visto, não como formador de profissionais ou propulsor do conhecimento científico e humanístico, mas como meio de acesso a uma casta, a uma “nobreza”, como diz Lima Barreto, que faz com que todos o ponham sobre um altar e o adorem.
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Os Bruzundangas, também de Lima Barreto, é o título extra que acompanhará nosso box de brinde.
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Podendo ser considerada uma descrição atual de grande parte do cenário brasileiro, esta irreverente obra retrata o apego do nosso povo à aparência das coisas, como títulos e cargos de prestígio.
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E, por isso, em nosso box dedicado únicamente a Lima Barreto, encaminhamos também um exemplar de Os Bruzundangas, que acompanhará a trilogia em uma edição única, exclusiva e limitada.
9. Afonso Henriques de Lima Barreto foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores nomes da nossa literatura.
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Hoje suas obras são clássicos – não apenas nacionais, mas universais.
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Escritor visionário, entendeu o Brasil como poucos e, assim, denunciou nossos males e vícios. Encontramos muitos deles, ainda, no Brasil de hoje, no qual vivemos.
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Tudo isso, fez através da literatura – à qual se dedicou de corpo e alma.
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Lima Barreto não fez da literatura apenas um acessório, nem queria fazer dela uma simples aparência. Encarava-a como vocação.
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Ele deu a própria vida por suas obras.
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Foi precursor do modernismo brasileiro, e não houve autores equivalentes em sua época. Essa circunstância fez dele um escritor de estilo único.
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Lima Barreto faleceu em 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, deixando um patrimônio literário ímpar, do qual nós todos somos os herdeiros e que o Clube de Literatura Clássica levou até a casa de cada um de seus assinantes.
10. “O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson [Crusoé], vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.”
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Em vista da formação histórica de nosso país, e das condições frequentemente adversas de vida que lhes são oferecidas, ou mesmo por simples vaidade, muitos vivem com os olhos voltados para o estrangeiro, como se fosse incapaz de ter genuíno amor pela sua terra – não um sentimento abstrato de patriotismo, mas um sincero apego por aquilo que o rodeia e pelas tradições que herdou.
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Alguns brasileiros vivem em seu torrão natal como um exilado.
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A citação acima está contida em Os Bruzundangas, de Lima Barreto, autor homenageado em nosso próximo box.
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E por sua descrição atualíssima, que nos ajuda a interpretar o cenário que vivenciamos, encaminhamos a cada um dos nossos assinante, junto com a trilogia, um exemplar de Os Bruzundangas.
11. “Não há como discutir com eles, porque todos se guiam por ideias feitas, receitas de julgamentos e nunca se aventuram a examinar por si qualquer questão, preferindo resolvê-las por generalizações quase sempre recebidas de segunda ou terceira mão, diluídas e desfiguradas pelas sucessivas passagens de uma cabeça para outra.”
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Seria este o retrato do intelectual brasileiro? Aquele que se guia por ideias feitas, incapaz de examinar por si qualquer questão?
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Examinar questões, para o homem de letras do Brasil, segundo Lima Barreto, é citar nomes: “Como disse Fulano… Mas assim falou Sicrano… Você se acha melhor que Beltrano?”
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E o objeto debatido se perde em meio à névoa das autoridades invocadas como fórmulas mágicas…
12. “A glória das letras só as tem quem a elas se dá inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega.”
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Para Lima Barreto, a literatura não era simples requinte, não era verniz, não era enfeite para o fazer parecer culto.
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A literatura, para o autor, era uma vocação – e sua vocação traduziu-se em expressão da realidade em que vivia: a realidade de seu país, dos homens que o cercavam, da cidade onde nascera e onde morava.
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Era expressão de suas experiências pessoais, muitas vezes dura, amargada também pelo álcool e pela loucura.
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Como disse no “Cemitério dos Vivos”: “A literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela.”
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O resultado foi um patrimônio ímpar que nos legou como a herdeiros, no qual podemos enxergar nosso país e a nós mesmos como num espelho – uma imagem muitas vezes bem desagradável.
13. “Saímos eu e um outro popular, a quem perguntei: ‘Que faz essa gente, hoje, aqui?’.
‘Que fazem’, respondeu-me, ‘sei lá… Isto é’, explicou-me logo; ‘o que fazem sempre:
leis.’”
Isaías Caminha, recém-chegado no Rio, vai em busca do Dr. Castro, deputado federal,
para que este lhe arranje um emprego.
Procura-o, naturalmente, na Câmara dos Deputados, onde os representantes do Povo Brasileiro exercem a augusta atividade de legislar.
Assistindo a uma sessão, Isaías se dá conta de como era iludido: percebe que, além do Dr. Castro, não conhece absolutamente nenhum dos augustos legisladores.
Estes, estupidamente ignorantes de tudo, não levam as sessões a sério, mas se servem da
tribuna para defender seus protetores e atacar desafetos.
Não são movidos por amor aos seus concidadãos, mas pelo desejo de satisfazer suas próprias paixões: poder, dinheiro, mulheres.
O povo, completamente alheio a tudo isso, suporta passivamente ser explorado por aqueles que o deviam representar e zelar por ele.
Até aqui, nenhuma novidade.
Recordações do Escrivão Isaías Caminha é o primeiro dos três títulos que compõem a edição especial do Clube de Literatura Clássica em homenagem a Lima Barreto. 14. “Dentre as muitas superstições políticas do nosso tempo, uma das mais curiosas é sem dúvida a das eleições. Admissíveis quando se trata de pequenas cidades, para a escolha de autoridades verdadeiramente locais, quase municipais, como eram na antiguidade, elas tomam um aspecto de sortilégio, de adivinhação, ao serem transplantadas para os nossos imensos estados modernos.
A superstição eleitoral é uma das coisas modernas que mais há de fazer rir os nossos futuros bisnetos.”
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No tempo de Lima Barreto, o voto era manipulado à vista de todos, de formas inimagináveis para nós hoje.
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Se hoje as coisas não são exatamente como eram naquela época, algo ainda não mudou na forma como a política é feita em nosso país: a falta de representação.
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Não deixa de impressionar como os políticos eleitos desmerecem e desprezam abertamente a opinião do povo, decidindo exatamente o contrário do que este quer.
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Ainda, o caráter de sortilégio do voto não desapareceu: basta lembrar das polêmicas recentes envolvendo a urna eletrônica e o voto impresso.