Elementos da Trilogia Lima Barreto do Clube – III

Alguns elementos da trilogia de Lima Barreto publicada pelo CLC

8. “O ensino superior fascina todos na Bruzundanga. Os seus títulos, como sabeis, dão tantos privilégios, tantas regalias, que pobres e ricos correm para ele. Mas só são três espécies que suscitam esse entusiasmo: o de médico, o de advogado e o de engenheiro.”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Lendo uma passagem como essa, tem-se a sensação de que, ao longo dos últimos cem anos, o Brasil simplesmente não saiu do lugar.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
O culto pelo ensino superior continua vivíssimo e explorado politicamente, devido justamente às regalias a ele associadas.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Quantos aos cursos de prestígio, estes permanecem os mesmos, e poucos são os alunos que a eles se dedicam por paixão e não por “status”.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Porque o ensino superior é visto, não como formador de profissionais ou propulsor do conhecimento científico e humanístico, mas como meio de acesso a uma casta, a uma “nobreza”, como diz Lima Barreto, que faz com que todos o ponham sobre um altar e o adorem.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Os Bruzundangas, também de Lima Barreto, é o título extra que acompanhará nosso box de brinde.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Podendo ser considerada uma descrição atual de grande parte do cenário brasileiro, esta irreverente obra retrata o apego do nosso povo à aparência das coisas, como títulos e cargos de prestígio.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
E, por isso, em nosso box dedicado únicamente a Lima Barreto, encaminhamos também um exemplar de Os Bruzundangas, que acompanhará a trilogia em uma edição única, exclusiva e limitada.

9. Afonso Henriques de Lima Barreto foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores nomes da nossa literatura.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Hoje suas obras são clássicos – não apenas nacionais, mas universais.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Escritor visionário, entendeu o Brasil como poucos e, assim, denunciou nossos males e vícios. Encontramos muitos deles, ainda, no Brasil de hoje, no qual vivemos.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Tudo isso, fez através da literatura – à qual se dedicou de corpo e alma.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Lima Barreto não fez da literatura apenas um acessório, nem queria fazer dela uma simples aparência. Encarava-a como vocação.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Ele deu a própria vida por suas obras.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Foi precursor do modernismo brasileiro, e não houve autores equivalentes em sua época. Essa circunstância fez dele um escritor de estilo único.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Lima Barreto faleceu em 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, deixando um patrimônio literário ímpar, do qual nós todos somos os herdeiros e que o Clube de Literatura Clássica levou até a casa de cada um de seus assinantes.

10. “O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson [Crusoé], vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Em vista da formação histórica de nosso país, e das condições frequentemente adversas de vida que lhes são oferecidas, ou mesmo por simples vaidade, muitos vivem com os olhos voltados para o estrangeiro, como se fosse incapaz de ter genuíno amor pela sua terra – não um sentimento abstrato de patriotismo, mas um sincero apego por aquilo que o rodeia e pelas tradições que herdou.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Alguns brasileiros vivem em seu torrão natal como um exilado.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
A citação acima está contida em Os Bruzundangas, de Lima Barreto, autor homenageado em nosso próximo box.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
E por sua descrição atualíssima, que nos ajuda a interpretar o cenário que vivenciamos, encaminhamos a cada um dos nossos assinante, junto com a trilogia, um exemplar de Os Bruzundangas.

11. “Não há como discutir com eles, porque todos se guiam por ideias feitas, receitas de julgamentos e nunca se aventuram a examinar por si qualquer questão, preferindo resolvê-las por generalizações quase sempre recebidas de segunda ou terceira mão, diluídas e desfiguradas pelas sucessivas passagens de uma cabeça para outra.”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Seria este o retrato do intelectual brasileiro? Aquele que se guia por ideias feitas, incapaz de examinar por si qualquer questão?
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Examinar questões, para o homem de letras do Brasil, segundo Lima Barreto, é citar nomes: “Como disse Fulano… Mas assim falou Sicrano… Você se acha melhor que Beltrano?”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
E o objeto debatido se perde em meio à névoa das autoridades invocadas como fórmulas mágicas…

12. “A glória das letras só as tem quem a elas se dá inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega.”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Para Lima Barreto, a literatura não era simples requinte, não era verniz, não era enfeite para o fazer parecer culto.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
A literatura, para o autor, era uma vocação – e sua vocação traduziu-se em expressão da realidade em que vivia: a realidade de seu país, dos homens que o cercavam, da cidade onde nascera e onde morava.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Era expressão de suas experiências pessoais, muitas vezes dura, amargada também pelo álcool e pela loucura.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Como disse no “Cemitério dos Vivos”: “A literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela.”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
O resultado foi um patrimônio ímpar que nos legou como a herdeiros, no qual podemos enxergar nosso país e a nós mesmos como num espelho – uma imagem muitas vezes bem desagradável.

13. “Saímos eu e um outro popular, a quem perguntei: ‘Que faz essa gente, hoje, aqui?’.
‘Que fazem’, respondeu-me, ‘sei lá… Isto é’, explicou-me logo; ‘o que fazem sempre:
leis.’”

Isaías Caminha, recém-chegado no Rio, vai em busca do Dr. Castro, deputado federal,
para que este lhe arranje um emprego.

Procura-o, naturalmente, na Câmara dos Deputados, onde os representantes do Povo Brasileiro exercem a augusta atividade de legislar.

Assistindo a uma sessão, Isaías se dá conta de como era iludido: percebe que, além do Dr. Castro, não conhece absolutamente nenhum dos augustos legisladores.

Estes, estupidamente ignorantes de tudo, não levam as sessões a sério, mas se servem da
tribuna para defender seus protetores e atacar desafetos.

Não são movidos por amor aos seus concidadãos, mas pelo desejo de satisfazer suas próprias paixões: poder, dinheiro, mulheres.

O povo, completamente alheio a tudo isso, suporta passivamente ser explorado por aqueles que o deviam representar e zelar por ele.

Até aqui, nenhuma novidade.

Recordações do Escrivão Isaías Caminha é o primeiro dos três títulos que compõem a edição especial do Clube de Literatura Clássica em homenagem a Lima Barreto. 14. “Dentre as muitas superstições políticas do nosso tempo, uma das mais curiosas é sem dúvida a das eleições. Admissíveis quando se trata de pequenas cidades, para a escolha de autoridades verdadeiramente locais, quase municipais, como eram na antiguidade, elas tomam um aspecto de sortilégio, de adivinhação, ao serem transplantadas para os nossos imensos estados modernos.
A superstição eleitoral é uma das coisas modernas que mais há de fazer rir os nossos futuros bisnetos.”
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
No tempo de Lima Barreto, o voto era manipulado à vista de todos, de formas inimagináveis para nós hoje.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Se hoje as coisas não são exatamente como eram naquela época, algo ainda não mudou na forma como a política é feita em nosso país: a falta de representação.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Não deixa de impressionar como os políticos eleitos desmerecem e desprezam abertamente a opinião do povo, decidindo exatamente o contrário do que este quer.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Ainda, o caráter de sortilégio do voto não desapareceu: basta lembrar das polêmicas recentes envolvendo a urna eletrônica e o voto impresso.

Total
0
Shares
Anterior
Elementos da Trilogia Lima Barreto do Clube – II

Elementos da Trilogia Lima Barreto do Clube – II

Alguns elementos da trilogia de Lima Barreto publicada pelo CLC

Próximo
Elementos do Paraíso Perdido do Clube – I

Elementos do Paraíso Perdido do Clube – I

Alguns elementos do Paraíso Perdido publicado pelo CLC

Você também pode gostar
Total
0
Share