“Por que ler Hamlet?”, por Letícia Rafaela Baeta Neto

O rei está morto. E o novo monarca? Seu próprio irmão, que arquitetou uma trama pérfida para tomar o trono e casar-se com a rainha. Hamlet, o príncipe, enlouqueceu. Ou será que sua loucura é apenas uma estratégia astuta para vingar o assassinato de seu pai? Enquanto isso, Ofélia, desiludida, também parece ter perdido o juízo. Conspirações, planos de vingança e um clima de desconfiança generalizada assolam a corte. Há algo de podre no reino da Dinamarca.

Escrita por William Shakespeare no início do século XVII, Hamlet é uma obra-prima que mergulha nas profundezas dos dilemas existenciais. A trama gira em torno do príncipe da Dinamarca. Ao ser surpreendido pela aparição de um espectro, que assume a forma de seu falecido pai e revela ter sido vítima de um assassinato, ele se vê imediatamente atormentado por incertezas e, consumido pela raiva e pelo desejo de vingança, se envolve em uma trama de intriga e corrupção.

Até os dias atuais, Hamlet mantém uma relevância inegável. Com temas como a busca pela verdade e a vingança, esta tragédia shakespeariana transcende as barreiras do tempo. Mas por que, afinal, esta peça é uma leitura indispensável?

Diferentemente de outras tragédias do Bardo, esta obra é singular em explorar a indecisão do protagonista e nas consequências devastadoras que surgem dessa falta de ação. Ele é incapaz de perceber o caos que deixa para trás: Ofélia, sua amada, sucumbe à insanidade quando se percebe abandonada e encontra seu trágico destino ao se afogar enquanto apanhava uma flor.

A revelação do fantasma coloca o príncipe diante de questões complexas: como agir diante das circunstâncias e em quem confiar? Ele é constantemente assombrado pela hesitação em suas interações e na busca por vingança. Ao invés de agir impulsivamente, ele se afunda cada vez mais nas intricadas teias de sua própria mente. Este impasse se torna ainda mais evidente em seu mais célebre solilóquio: “Ser ou não ser… Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?” Esse monólogo captura a essência de seu conflito existencial: a eterna batalha entre pensamento e ação. E no âmago dessa dúvida surge outra questão: ele leva tão a sério o papel da loucura que, por vezes, perde a lucidez?

Outro ponto memorável é a forma brilhante como o dramaturgo inglês utilizou a metalinguagem: há uma peça dentro da peça. Hamlet emprega uma encenação para tentar expor a culpa de seu tio. Quando ele instrui os atores sobre como representar a peça “A Ratoeira”, ele reflete sobre a arte da atuação e a capacidade dos atores de captar a essência da verdade humana, uma técnica que cria uma linha tênue entre a ficção e a realidade, onde os espectadores questionam o que é verdadeiro e o que é uma mera representação.

Além de sua profundidade temática, Hamlet fascina incontáveis pessoas ao redor do mundo. Até mesmo para aqueles que não tiveram a oportunidade de lê-lo, certas passagens permanecem vívidas na consciência coletiva. Quem nunca ouviu falar da cena da caveira, onde Hamlet segura o crânio de Yorick, o antigo bobo da corte, enquanto reflete sobre a finitude da vida? A obra está enraizada na cultura popular e sua influência pode ser vista em adaptações cinematográficas, obras de arte, músicas de variados gêneros e até mesmo em memes da internet. Um exemplo notável desta influência é a animação “O Rei Leão”: Simba enfrenta dilemas semelhantes aos do príncipe dinamarquês ao lidar com a perda do pai, o Rei Mufasa. O antagonista Scar pode ser visto como Cláudio, o tio traidor.

A verdadeira razão para ler a tragédia reside, talvez, na sua capacidade de nos colocar frente a frente com nossos próprios fantasmas. Ao explorar a complexidade da mente e os conflitos morais que nos assolam, a obra nos convida a enfrentar nossas próprias hesitações e inseguranças. Ler essa obra-prima é mais do que apreciar um clássico; é uma viagem introspectiva que revela as camadas mais intrincadas de nossa própria existência.

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